quinta-feira, 8 de novembro de 2012

Família: A Igreja doméstica


- "O Senhor disse: Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele" (Gn 2,18). O Senhor Deus quis dar a Adão uma auxiliar semelhante a ele e o simbolismo de Eva tirada da costela de Adão (cf. Gn 2,22) fala desta igualdade que exclui toda idéia de dominação ou subordinação servil. Ora, ninguém deveria bastar-se numa auto-suficiência narcisista e egocêntrica. O "eu" é essencialmente chamado a construir-se dinamicamente na interação dialógica com um "tu" para construir um "nós". O "eu" foi chamado a ser um dom para o tu e vice-versa. A realidade da pessoa humana como um ser comunitário, social e que partilha, não é outra coisa, no plano de Deus, que um ensaio cuja meta é viver a comunhão trinitária: na diversidade construindo a unidade. As Três divinas e distintas Pessoas, maravilhosamente consumidas na unidade, apresentam-se como esta fonte; um mistério que nos faz pensar que a criação do homem à imagem e semelhança de Deus significa também perceber-se como um alguém essencialmente chamado à comunhão. 

A diversidade é riqueza e a unidade é um referencial obrigatório para um êxodo de amor (sair de si, construir pontes num movimento de busca do outro que se consolida na partilha). A diferença, longe de ser uma ameaça, apresenta-se como uma possibilidade que desafia e enriquece, vitaliza, desinstala e renova. 

Os conflitos podem ser lidos na ótica de possibilidades novas e inusitadas para um crescimento recíproco: pedras que se chocam, se lapidam. Não existe, no plano de Deus, o achatamento empobrecedor da repetição automática: os clones destroem a sacralidade inquestionável de ser pessoa, ou seja, um alguém único e irrepetível. A diferença dos sexos não afeta esta igualdade de dignidade entre homem e mulher; tal diferença estava na mente de Deus em ordem à complementaridade. "A verdade é que toda história humana, se partilhada com outra pessoa como um ato de amor, alarga a mente e aquece o coração desta pessoa". Um é chamado a precisar do outro para se auto-definir, descobrir-se e para ajudar a construir, enriquecer o outro. É um movimento em via de mão dupla. E nesta linha de raciocínio nós entendemos o que Deus pensa da família. 

"Homem e mulher Ele os criou" 

"E Deus criou o homem à sua imagem, à imagem de Deus ele o criou, homem e mulher ele os criou" (Gn 1,27). Nos planos do Criador, esta realidade de família se construirá positivamente quando o homem e a mulher assumirem consciente e responsavelmente os próprios papéis. 

A mulher é chamada a ser capaz de acolher, acompanhar, perceber e escutar, dotada de delicadeza e fantasia, levada a ser materna, acolhedora do invisível e do essencial, intuitiva e sensível. 

O homem, por sua vez, torna-se capaz de projetar, executar, decidir, defender, proteger paternalmente, de plasmar e criar prevalentemente para a sociedade. A maturidade masculina se manifesta na fantasia produtiva e na força volitiva. E estas duas realidades são chamadas a integrar-se num dinamismo próprio de quem ama, reconhecendo no outro não alguém vago e distante, mas um "tu" próximo, referencial enriquecedor. 

Nesse sentido, a capacidade de relacionamentos sólidos e duradouros não pode se limitar ao conhecimento superficial e à prática de relações tão somente funcionais, mas envolve sobretudo relacionamentos amigáveis, abertos a uma positiva capacidade de intimidade, afinidade, familiaridade e afetuosidade. A sexualidade, enquanto realidade ampla, dialogal, a serviço da comunhão e da vida, é algo que descarta fechamentos egoístas e manipulações desumanizadoras e paganizantes. 

A produtividade leva as pessoas a trabalharem de modo criativo e profícuo, a realizar e organizar algo de novo, a não repetir mecanicamente o que outros já fizeram. Dessa maneira, a diversidade humana e complementar da masculinidade e da feminilidade se dispõem a fazer um uso responsável e coerente dos talentos recebidos, valorizando-os e fazendo-os multiplicar (cf. Mt 25,14-30). 

Paternidade e maternidade 

A paternidade e maternidade não serão realidades asfixiantes ao ponto de serem usurpadores da individualidade de cada filho, pessoa chamada a auto-construir-se com os outros. A realidade familiar da acolhida e da educação dos filhos se abrirá progressivamente a uma descoberta do dom da vida dos filhos, chamados a atingir gradativamente uma autonomia própria. Os pais e educadores serão como jardineiros (oferecerão as condições) e os filhos são tais como as plantas (que crescerão a partir das próprias raízes, tronco, galhos e folhas) e que a seu tempo deverão produzir seus frutos. "Os humanos, como as plantas, crescem no solo da aceitação, não na atmosfera da rejeição".Os pais não substituem os filhos, os quais não são uma continuação em chave de dependência parasitária. O "eu" de cada filho não pode confundir-se com o "tu" do pai e com o "tu" da mãe. A identidade não pode ser distorcida ou confundida na auto-construção. Porém, o processo educativo não descartará, mas se fundamentará na busca de apresentar valores e princípios que ajudem os filhos a serem livres, responsáveis, de modo que eles abram-se ao dom da fé e a ele correspondam com convicções brotadas de uma experiência pessoal com Deus. 

Célula eclesial 

E quando é que compreenderemos a realidade da família como Igreja? O princípio da atração e do amor do homem pela mulher e vice-versa brota de um mistério muito grande. Diz S. João Crisóstomo: "Pois Cristo formou a Igreja de seu lado traspassado, assim como do lado de Adão foi formada Eva, sua esposa. (...). E assim como Deus abriu o lado de Adão enquanto ele dormia, também Cristo nos deu a água e o sangue durante o sono de sua morte". Por isso, S. Paulo afirma que este mistério é grande e o matrimônio não se reduz a uma parceria de partilha da companhia do outro enquanto parceiro (a), mas brota do mistério da relação entre Cristo e sua Igreja (cf. Ef 5,32). 

A família enquanto célula da sociedade é, por desejo de Deus, chamada a ser uma célula eclesial, uma igreja doméstica, uma igreja de casa, uma casa que se torna uma pequena igreja. É assim que a Igreja será uma grande família: se as famílias forem realmente igrejas; igrejas vivas, atuantes, fermentadas pelo amor traduzido em comunhão, celebrando e cultivando a vida, acolhendo o mistério da Trindade-Comunidade para irradiá-lo no testemunho ao mesmo tempo humilde e corajosamente generoso. 

A sociedade atual, tão marcada pelo individualismo, pelo utilitarismo, pelo materialismo, pelo hedonismo, pela perda do sentido dos valores morais, pelo medo e pela relativização dos compromissos definitivos, pelo neo-paganismo tem deixado seus efeitos nefastos e corrosivos na realidade familiar. Os jovens se encontram diante de uma variedade de propostas de modelos contrastantes. O pluralismo não permite um quadro unitário de valores. Porém, não será impossível à graça divina fazer acontecer este milagre da comunhão e do amor à serviço da vida. 

Jesus crescia sob os olhares atentos e amorosos de José e de Maria "em sabedoria, estatura e em graça, diante de Deus e diante dos homens" (Lc 1,52). E isso na simplicidade impressionante e aparentemente sem valor da realidade monótona e obscura de Nazaré. Também hoje, estes reflexos luminosos e transfiguradores do mistério do Verbo eterno na sua vida oculta precisa acontecer nas crianças e nos jovens. E para assisti-los, o Senhor quer encontrar continuadores nos homens e mulheres de boa vontade, assim como Ele encontrou Maria e José. A igreja doméstica, apesar de tudo e de todos, continuará sendo uma resposta do Deus Trindade para um problema: "não é bom que o homem esteja só" (Gn 2,18). 

Pe. Antônio Marcos Chagas

Um comentário:

  1. Linda imagem de Nossa Senhora criança com seus pais, Santa Ana e Joaquim. Seu texto está deslumbrante. Grande abraço!

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