sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Homilia do 23º. Domingo do Tempo Comum – Ano C

O livro da Sabedoria nos fala sobre os limites da razão. O mundo moderno chegou a considerar a razão como a tábua de salvação, depositou suas esperanças na ciência, na tecnologia. Hoje vemos com mais facilidade os limites da razão humana, as consequências negativas do mau uso da ciência, como os efeitos provocados na natureza pelo avanço tecnológico. De fato, o que é a ciência humana diante da imensidão do universo e de seu mistério? Se não olharmos a vida com profundidade, ficaremos com as aparências. A Palavra de Deus nos convida a alcançarmos a sabedoria divina que, por sua vez, pergunta sobre o porquê das coisas e revela-nos o sentido da existência. O verdadeiro sentido da vida depende de um olhar de fé, que manifesta o divino no meio do humano, a fé no cotidiano.
Como se manifesta a sabedoria divina? São Paulo nos diz que Deus tornou louca a sabedoria do mundo: “pois a loucura de Deus é mais sábia do que os homens, e a fraqueza de Deus é mais forte do que os homens” (1Cor 1,25). Esta loucura se traduz na contradição, no paradoxo. Enquanto o conhecimento humano muitas vezes é regido pelo poder dominador, a sabedoria divina se revela na fraqueza. A segunda leitura nos dá um bom exemplo, quando São Paulo pede a Filemôn que Onésimo não seja tratado como escravo, mas como irmão. Que sabedoria é esta que transforma um escravo em um irmão? Somente a vida nova experimentada em Cristo, pelo Espírito, pode proporcionar algo tão sublime.
 No Evangelho, Jesus es caminhando para Jerusalém. Ele sabia muito bem o que aconteceria lá: sabia que o seu destino derradeiro se aproximava. Jesus via uma grande multidão vindo atrás dele e se perguntava: “Será que esse povo sabe o que é me seguir?” Jesus não se importava com as pesquisas de opinião pública. Por isso, manifestou a essência do discipulado, destruindo as falsas seguranças: “Quem não carrega a sua cruz e não caminha atrás de mim, não pode ser meu discípulo”.
Aceitar a proposta de Jesus não é tarefa fácil. Sem um coração cheio de fé e amor, pela graça divina (pela sabedoria) dificilmente aceitaremos a cruz. E aqui Jesus não fala das dores do dia a dia (como as doenças, perdas, tristezas...), mas se refere ao que deixamos de lado por amor. Renunciar, no Evangelho, significa alcançar a liberdade, pois as coisas e até as pessoas nos escravizam e nos impedem de optarmos pelos valores do Reino de Deus. Seguir Jesus exige radicalidade e radicalidade é doar-se, é gastar a vida, é ser capaz de fazer da própria vida um dom.
O Evangelho nos fala da renúncia da própria família. Algumas traduções falam de “odiar”, “deixar de lado”. A expressão “odiar” neste contexto significa deixar em segundo lugar. Ou seja, Deus não quer o ódio, Ele deseja que amemos os nossos familiares, mas quer igualmente que Deus venha em primeiro lugar. Nada deve constituir uma barreira para o Reino. Para muitos que se esqueceram de amar a própria família, carregar a cruz significará retomar a proximidade e o cuidado dela.
Jesus nos pede a renúncia da vida. Os cristãos primitivos que escutavam este evangelho logo pensavam no martírio de sangue. Nos tempos apostólicos, os testemunhos heróicos em nome da fé eram comuns. Hoje a perseguição diminuiu, e diminuiu também nosso comprometimento. Corre-se o risco de um cristianismo sem cruz. Hoje muitos procuram a Igreja somente para encontrar cura física e bem estar psíquico... Muitos dos que procuram nossas comunidades não desejam compromisso e participação. Há muitos não evangelizados que desejam uma benção, uma novena, um sacramento, uma fezinha esporádica. Mesmo os mais assíduos são tentados a fazer da vida de fé algo do qual se possa colocar em segundo plano, sem que afete as decisões mais profundas da vida. Onde se encontra a radicalidade do discipulado?
Jesus nos convida a gastar a nossa vida, até o extremo. Gastar aqui é um investimento de felicidade. Gastar a vida pela família (aqui o amor à família é necessário), doar a vida pela comunidade, pela sociedade... Gastar a vida para fazer acontecer a vida. Abraçar a cruz é ter a coragem de se opor ao mundo da arrogância, da violência, dos vícios, dos prazeres sem sentido, da injustiça, do orgulho, da competição, do acúmulo dos bens. Enfim, renunciar tudo que desvia a vida do seu verdadeiro sentido. É preciso sentar, meditar, calcular os gastos e os ganhos como um general prudente ou como um arquiteto que planeja uma construção. Tal atitude nos fará enxergar mais longe e com mais profundidade o que a vida verdadeiramente significa.

Pe. Roberto Nentwig



















Nenhum comentário:

Postar um comentário